Sunday, May 15, 2011

No Espaço aéreo entre Istambul e Colônia


No Espaço aéreo entre Istambul e Colônia

Muitas experiências me inspiram a escrever pra vocês.

Acabo de Ler um livro 1000 dias na Toscana, um relato de uma vida em um vilarejo repleto de comida, romance e, acima de tudo vida. Como relata a autora Marlena de Blasi.

Iniciei essa viagem deliberadamente aberta aos contados, direto com anjos que abrem portas quando estamos dispostos a nos abrir. Lembrei que há 11 anos, quando fiz minha primeira viagem sozinha "pelo mundo" (naquela época pela Califórnia mais Havaí e Lake Tahoe... e o lindo Isalen Institute) em muitos momentos tive ajudas inesperadas e assim sinto que segui cuidada e protegida.

Então, esse livro me aparece, no aeroporto de Salvador (Parênteses: vocês sabem que antes dos 100 dias tirei uns 8 para fazer o curso 1 que era pré-requisito para o 2 que eu farei na Alemanha). Vem de presente e na orelha diz que o casal do livro organiza excursões gastronômicas pela Toscana e Úmbria, exata região aonde penso em desfrutar a minha estada na Itália. Recebo esse mapa cifrado e vou seguir atrás do tesouro.

Então passo os meus primeiros 10 dias lendo os 1000 dias na Toscana. Vivendo cada dia dos 100 dias, que parecem que enrolam, mas que querem mesmo me levar pra Toscana.

Marlena, a autora, relata uma mudança para uma vida tranqüila aonde consegue ver a abundancia na simplicidade do necessário a cada estação. Andando por Istambul gosto da diversidade de uma megalópole (do tamanho de São Paulo), mas por poucos dias, pois o meu ritmo é outro. Penso na calma da vida que tenho em Brasília e como gosto de viajar por lugarejos. Quero sair de Brasília para estar em espaços ainda mais lentos, calmos e simples.
Lembro da viagem de carro com a Carol por Portugal e Espanha aonde confessamos uma à outra que: "nós somos mesmo provincianas". E nesta volta um grande momento foi parar em uma cidade no meio do nada e saborear uma entrada de lagostim, num lugar que esbarramos sem muito procurar, e repetimos até nos fartar... o prato principal foi esquecido meio a umas três porções cada uma com um molho e uma garrafa de vinho. Barcelona ficou aos pés de Calpe nessas lembranças. Alguém já ouviu falar de Calpe? (he, he, he)

Seguimos porque não quero perder as impressões do agora:
Estou no avião saindo de Istambul indo para Colônia. Divido a fileira de três com um casal de turos. Ele um senhor distinto, branco bem vestido, não dá para dizer que é turco logo de cara. Lembra um pouco o vovô Sérgio pela elegância da simples calça e blusa bem passada de algodão. O cabelo bem cortado e penteado aparecendo a testa que delata alguma idade. Ao meu lado está a sua esposa, curiosa, eu, olho suas mãos, manchadas de vermelho ferrugem, parece que é a Hena, que hoje deve pintar nas mais novas. Pois esses lindos grafismos não vejo nas mãos das mulheres de mais idade só nas jovens... poucas, mas quando encontro fico encantada como se tivesse frente a um monumento tão esperado para ser visto no país visitado. Seu corpo está coberto por uma túnica combinando com a cor do véu, neste caso amarelo com verde, enquanto a cabeça está coberta por uma renda dourada, mini paetês descem da cabeça aos pés. Esta é mais brilhosa e colorida do que as que eu vi pela cidade.

O casal bem simpático tenta falar comigo em turco logo que sento, quando consigo dizer que só em inglês, eles, alheios a essa língua, riem, ignoram e continuam a pronunciar algumas palavras.

Ela espaçosa não só em volume, mas nos braços que deixa sem muito pudor atravessar sua cadeira e invadir o espaço da minha. Acomodo-me com meu corpo, metade do seu, para o lado, assim ela pode se espalhar. Quando chega a comida continua a intimidade, olha para minha bandeja perguntando algo como se está bom. Digo com a mão que sim. Daqui ha alguns minutos ela aponta para o doce que não comi e sinto que ela quer. Ofereço e de pronto pega feliz presenteando o marido.

A "espalhação" começou no embarque. O vôo mudou de portão três vezes, então fiquei andando para cá e para lá. E olha que o de Istambul não é tão pequeno assim. Tem poucas cadeiras frente ao embarque aonde as turcas, confortavelmente, tiram seus sapatos e deitam-se em três bancos espalhando seus corpos e panos em excesso pelos assentos de espera.

Até que no último portão que parece o certo, sento ao lado um senhora branca com um que prece ser seu neto. Já tinha me espantado com tantos turcos indo para uma cidadezinha na Alemanha, que só conheci quando resolvi fazer o curso. No embarque só véus e túnicas. Não descobri porque muitos véus eram brancos, mais do que de costume pela cidade. Fiquei pensando se não eram viúvas ou... queria um intérprete para poder mergulhar mais no significado dos símbolos dessa cultura.

Começo a conversar com a senhora ao lado, alemã, mora perto de Colônia. Ela diz que a eles nessa cidade são muito abertos a outras culturas. Tem muitos imigrantes turcos que se mudam pra lá para trabalhar. Que provavelmente essas pessoas eram parentes de gerações que já vivem na cidade há algum tempo. Diz que ontem inauguraram a primeira mesquita da cidade. E que eles, nessa parte da Alemanha, sempre foram abertos a diversidades, sempre conviveram com judeus e que hoje convivem com pessoas negras em harmonia. Uma minoria ainda protesta, como na inauguração da mesquita, mas não fazem muito volume.

Gosto da troca e me sinto situada naquele universo. Penso que estou saindo desse país meio oriental meio ocidental, mas parece que estou indo para uma Alemanha meio ocidental meio oriental. Essa experiência talvez já tenha sido anunciada antes: uma brasileira que saí no Brasil para fazer um curso com um indiano na Alemanha. Uma boa mistura, não acham? Vamos ver no que vai dar.

Parece que começa o embarque, mas não tem fila, só um amontoado de pessoas falando alto como se estivessem entrando em um show. Fico de fora. Até que um homem, na língua local, ordena que eu e alguns poucos que aguardam fora da confusão entrem na fila - que não existe.

Estou com o assento marcado logo na frente então é melhor entrar por último. Ilusão. Assentos marcados não funcionam. Quando olho para minha cadeira uma mulher diz em turco e com as mãos que eu siga para procurar um assento pra trás. Confirmo com a aeromoça que diz que eu posso sentar em qualquer lugar. Acho que fazem o que querem como em um pão de arara.

Foi então que sentei ao lado daquele casal.
A história com eles se estendeu, pois ela que já tinha me filmado no início do vôo, agora pede para o marido tirar uma foto dela ao meu lado, como se fosse amiga íntima coloca o rosto pertinho do meu. Eles seguem com a aproximação ela olha pra minha mão mostra o seu anel solitário, e pergunta se sou casada, digo que sou separada. Ela explica para o marido que me diz que eu tenho que ir para o segundo casamento. Como ousou entrar na minha intimidade pergunto sobre as manchas nas mãos se é hena. Ela diz que sim, eu digo como gostaria que ela desenhasse nas minhas. Digo, eles dizem, em gestos é claro. Ainda não aprendi falar turco!

Olhar e sentir as pessoas é o que me encanta em estar mundo afora. Sinto o olhar dos turcos e das turcas: forte, direto e profundo. Os homens olham sem disfarçar mas as mulheres também. Às vezes sinto-me paquera por elas. Talvez porque também faço isso quando fico vidrada no colorido dos lenços e como são amarrados na cabeça escondendo o pescoço. Elas me olham diretamente nos olhos e riem. Olha o que aconteceu na Capadócia umas meninas de uma excursão escolar me param e mostram a câmera. Quando vou pegar, achando que é para eu tirar uma foto pra elas, me surpreendo: elas querem uma foto comigo. Então fico lá parada frente à cidade escondida nas montanhas cor de areia, com meu chapéu de palha e lenço de renda no pescoço. Uma a uma as meninas posam ao meu lado enquanto a amiga fotografa. Antes que me sentisse a celebridade os meus companheiros do tour gritam do outro lado olha a Gisele B.!

Voltando para o aeroporto a confusão continua logo vejo dois velhos brigando por um carrinho de malas. Um puxa de um lado outro do outro. As pessoas ao lado tomam partido e é uma barulheira só. Fico pensando que eles chegaram na Alemanha e ainda sentem-se em casa.

A mala demora tanto que me dá tempo de puxar mais uma conversa. Se Marcelo estivesse comigo diria: olha a colegagem! Fico curiosa com para saber o que são vários galões de água que eles estão trazendo para Alemanhã. Uma jovem de sobretudo e véu está a meu lado e começo a entrevista com muito cuidado. Ela diz que fala pouco inglês mas se esforça para me explicar que a água é muito especial para eles muçulmanos, que eles estão trazendo de Meca (e não de Istambul como pensei). Logo chegam vários galões de uns 5 litros que sua mãe traz. Com isso ela satisfaz ainda minha curiosidade trazendo a informação de que eles são 5 pessoas e que estão trazendo um galão para cada um. Não satisfeita quero saber o que fazem com a água se passam no corpo ou bebem. Eles bebem. Agradeço a querida turca introspectiva com olhar distante, que hoje mora na Alemanha, que tem a avó ainda na Turquia e que vai a Meca buscar a água sagrada.

Pego o taxi, um carro chique com um homem muito educado, que conversa comigo pelo caminho. E que descubro que é turco quando, falando de segurança na cidade, eu comento que em Istambul não era muito seguro para mulheres andarem sozinhas. Ele retruca e diz que isso era a muito tempo atrás, que hoje não era mais assim. E diz eu sou turco. Percebo que não adianta dizer que o que senti foi diferente. Acho que tem coisas que os homens são incapazes de perceber porque não são mulheres.

Enfim, fiquei agradecida por ter ido acompanhada. Na minha fantasia desfrutava uma viagem "sozinha" com um guarda-costas. E que foi melhor assim.

Deixo um beijo e vou me instalar no Instituto do Osho que é o lugar do curso.



Experiência somática...

Cheguei Instituto. Reservei um quarto sozinha. O curso inclúi dormida comunitária. Fico feliz por ter feito pois parece que eles ficam acampados em uma sala de aula dormindo no chão. Preciso de privacidade e espaço. Não foi por isso que saí para o mundo?... PARA PAUSAR. Abrir espaço e de certa forma ficar mais comigo e descansar. Acho que não consigo fazer isso em um dormitório cheio de homens e mulheres espalhados pelo chão. Imaginem a noite: roncos, cheiros diversos... Não! Estou aqui, sentada de frente para uma janela enorme em um quarto de dois só pra mim, escrevendo pra vocês e descansando do primeiro dia do curso. Sem contar que na hora do almoço vim dar uma dormidinha de uma hora. É um flat com três quartos, um banheiro e uma cozinha compartilhada. Outras mulheres super reservadas ocupam os outros quartos. No início me incomodei coma distância delas. Mas agora acho bom colegas de apartamento são melhores reservadas que invasivas. E eu deixo a interação para hora do curso. E quando venho pra cá posso me resguardar.
Estou aqui desde ontem e me sinto em casa. Penso que se eu tiver espaços assim para o resto da minha viagem vai ser bom demais. Um quarto simples mais confortável e bem iluminado.

A sensação de estar em casa, acho, que vem também de encontrar aqui coisa que fazem parte da minha vida e me fazem bem. Ontem cheguei e logo fiquei sabendo que tinha um parque muito perto. Perto mesmo no final da rua. Um lindo dia de primavera, nada frio, me convida para uma volta. Saio toda equipada de tênis, roupa de ginástica e vou caminhar no parque. Me divirto olhando um monte de gente jogada pela grama, a maioria em grupo, poucos sozinhos, lendo, fazendo churrasco com mini churrasqueiras, passeando com cachorros e com as crianças. Uma linda adolescentezinha está sentada em um banco com o sol batendo no seu rosto, toda arrumadinha, pernas e joelhos bem juntinhos, concentrada em seu livro, nem levanta os olhos quando eu passo. E eu, por outro lado, a fotografo com meus olhos observando todos os detalhes da sua miúda presença.

Volto logo porque tem uma aula de yoga as 18h. Uma delícia, com uma professora gentil até na voz. Volto a trazer para o meu corpo movimento. Desde a cirurgia que me deixou em repouso por um mês sem esforço ainda não tinha feito um exercício. Agora estou aqui um dia depois desfrutando aquela dor gostosa, nas partes menos esperadas que a yoga trás. Dor gostosa do corpo que foi desperto, em torções, alongamentos e posições invertidas.

Gosto de estar aqui com uma rotina de curso e práticas. Também foi bom atendendo hoje a tarde, sinto-me "grounded" - trabalhando. Estar no papel de psicóloga e fazer uma boa sessão me dá uma boa sensação de força, centramento e conexão. No curso trocamos os papéis sendo paciente ou terapeutas para aprendermos a técnica. Com isso vem o pensamento e divido com meu "colegas de curso": que vai ser uma boa experiência eu estar esses 100 dias longe do consultório. Às vezes sinto-me uma formiga para quem a vida está organizada em função do trabalho. E penso que será bom descobrir o que mais pode me trazer as mesmas sessões - tão importantes pra mim.

Estar fazendo um curso em uma cidade desconhecida tem suas vantagens, contato com pessoas do local. Na minha colegagem matinal fiquei sabendo que tem música no parque logo mais, então tenho que me empacotar porque a primavera está quente durante o dia mas a noite pra mim ainda é de inverno.

Beijos no coração. Lydia








1 comment:

  1. Menina, estou feliz que você já esteja blogando porque posso, assim, te acompanhar, como se estivesse aí com você. A viagem assim fica nossa, com suas experiências e descrições. Acho que adoraria estar nos lugares que você descreveu. Quem sabe um dia.

    Continue aproveitando e registrando esses momentos mágicos de pausas e reencontros.

    Beijos de nossa Brasília de azul intenso.

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