Wednesday, June 29, 2011

Ondas na Toscana


Ondas na Toscana

O ser humano não é um universo, mas um mar. E eu uma boa representante desse oceano. Ondas vêm e vão. Às vezes tem maremoto, mas não nessa temporada. O final de 2010 e o início de 2011 tiveram vários abalos sísmicos nas placas externas e internas, de mim mesma. E isso provoca terremotos e tsunamis. Às vezes um tremor na placa externa desencadeia uma seqüência de movimentos internos. Por vezes, algumas destruições. Mas como toda catástrofe natural, está aí para provar que o ser humano tem uma capacidade de sobrevivência inata. É certo que a custo de muitas perdas. E quanto maior a onda maior a devastação. Mas são nesses momentos aonde podemos ver a força criativa e sagrada daquele que sobrevive a catástrofe.
Mas como ia dizendo o tsunami já passou. E ele arrastou muita coisa para o fundo do mar, também revolveu a terra e deixou lugares vazios onde antes se erguiam algumas estruturas. E os lugares vazios geram possibilidades. Espaços... criativos... Espaços... para respirar... hummm...

Mas o que importa é aprender a tolerar.

Tolerar as ondas grandes porque sabemos que contra o mar ninguém pode lutar. Só surfar ao boiar. Porque ele tem sua força e vontade própria. Incontrolável. Mas nosso corpo conta com a capacidade de flutuar, mergulhar, bater o pé no fundo e conseguir voltar para respirar. E esperar que a seqüência de ondas grandes passe para então escolher o melhor momento de sair para descansar na praia.

As ondas estão menores nos últimos meses. Tem sido necessário pouco esforço para estar no mar. Ou talvez tivesse estado mais na praia. Mas ninguém agüenta ficar na praia o tempo todo sem entrar na água. Então deve ser assim que o nosso corpo funciona, muito tempo ao sol, vamos dar um mergulhinho, pular umas ondas. Ou talvez seja uma imagem inversa: o corpo largado na areia achando que o descanso é eterno quando uma onda vem, pois a maré sobe, e molha tudo sem nem esperar. As vezes não dá tempo nem de catar as coisas.

E o que fazer quando a maré sobe? Pode-se xingar, se desesperar, se destemperar... Mas eu tenho aprendido, ou pelo menos exercitado, tolerar. Venha a onda que vier e eu fico ali boiando e esperando a hora que o mar vai acalmar. E o melhor e que quando consigo sair à praia o prazer tem sido também mais gostoso. Talvez porque aprender a tolerar as ondas de sofrimento, faz com tenha mais tolerância para as ondas de prazer.
Um outro desafio é tolerar o marasmo. Esse momento de ócio, ou até tédio, do nada. Aonde o muito não acontece. Há isso sim é o exercício. Porque saber ficar no nada é o grande antídoto da ansiedade. Estou no exercício. E olha que estou podendo estar.

Assim, por alguma razão o prazer não tem sido mais uma euforia, mas uma leve brisa suave sobre os pelos da pele quente. Sutil.

O interessante é observar. Como lhes falei o meu “grilo falante” tem estado atento, mas também não tem o que fazer. Não está trabalhando, namorando, sem compromisso nenhum, então sobra toda a atenção dele pra mim mesmo.

Dias atrás quando estava em Montelupo Fiorentino, terra da cerâmica toscana, fui invadida por muitas ondas. Um dia estava montada em uma bicicleta e um mapa na mão. Tinha a intenção de um destino, mas superei todos os meus limites. Fui por um caminho e voltei por outro, passei por várias cidades, subi e desci moro. Pedalei meio a plantação de trigo, de uva, visitei Vinci, a cidade de Leonardo. E lá vi seus inventos. Mas o bom mesmo era estar largada nos pedais. Sozinha. Meu senso de orientação neste dia estava aguçado. Raro! Pouco olhei no mapa e sabia aonde ir. Das 10 da manhã as 5 da tarde minha bunda ficou apoiada naquele banco. Todos que já pedalaram depois muito tempo parado sabem o resultado. Ai! Mas não sentia dor só o prazer do movimento das minhas pernas, do vento no rosto, e dos banhos nas bicas das cidades debaixo de 35 graus do verão na Toscana.

Pensava. Liberdade é:
- Poder escolher viajar.
- Liberdade é deixar de conhecer um ou outro ponto turístico simplesmente porque meu corpo não quer aquilo naquele momento.
- Liberdade é num dia chuvoso, pegar um trem e ir almoçar em Verona.
- Liberdade é gostar muito de um lugar e poder ficar ali até esgotar a vontade.
- Deixar roupas pelo caminho para carregar uma mala mais leve.
- Liberdade é movimentar a barra da saia pelas ruas sem destino.

Liberdade é...
 
Vocês lembram do “Amar é... “?

Então pedalava e pensava isso. E meus pensamentos concluíram: liberdade mesmo é estar montada em uma bicicleta, e, conduzida pela força e pelo movimento do meu corpo me levar para onde eu quiser ir.

Resgatei aqui a sensação dos 15, 16 anos, quando ainda não dirigia. Mas aquela bicicleta me levava para todos os lugares não importava a distancia. 



Visitava minhas amigas, ia tomar sorvete na Shakes,  para aula de teatro no Ceub, para o iate clube e os incontáveis churrascos dessa animada adolescência sob catracas.

Essa foi uma onda gostosa que me invadiu.



No dia seguinte a sensação de liberdade continuou ao pegar um trem para uma cidade vizinha e caminhar uns 15 minutos com indicações para repetir a aula de culinária. Mas liberdade eu pude sentir ao conhecer minha amiga da Arábia saudita. Como diz ela, meia da Arábia Saudita meia do Líbano. Seu êxtase em estar na Itália, viajando sozinha, alugou um carro e foi de Florença par aula de culinária dirigindo, era contagiante. Beber vinho, fumar, dirigir, amarrar uma blusa no meio da barriga eram extremos prazeres libertos para uma mulher que vive em um país aonde a população e mais ainda as mulheres vivem debaixo de leis muito rígidas. Prazeres que para nós faz parte do dia a dia para eles é crime. Vinho é tão proibido como cocaína disse ela.

Identificamos-nos desde os primeiro contato. Fizemos uma farra na aula de culinária. Continuamos as taças de Processo no hotel em que ela estava hospedada meio aos campos. E depois fomos de carro para Montelupo. As gargalhadas nos seguiram. Ela ria das perguntas curiosas que eu fazia e eu das respostas que ela dava. Uma intimidade instantânea de dois mundos femininos tão distintos e tão próximos.
Sua alegria e gozo pela liberdade me contagiaram ou complementaram o que eu tinha sentido no dia anterior.


Contudo, emoções agradáveis e intensas também podem provocar abalos sísmicos. E foi assim que meu grilo interpretou a onda que veio a seguir. Por alguns dias eu fiquei super introspectiva. Em alguns momentos me senti muito só. Em outros uma sensação de estar perdida. Muita saudade de casa e dos amigos que já estavam a distancia por 2 meses. Uma tristeza profunda em outros tantos momentos. Parecia que tinha cansado de viajar, de estar longe. Mas ao mesmo tempo não era tão só isso. Eram novas ondas altas.

E o que fiz? Fiquei boiando.

Boiando. Apesar das sensações desagradáveis e do sofrimento não fugi. Fiquei ainda mais em contato comigo, com meu corpo. E ouvi muito o que ele queria a cada dia. Se queria ficar em casa lendo eu ficava. Se queria dormir durante toda a tarde eu dormia. Se não queria comer fora, pois naqueles dias ser a única sozinha numa mesa de restaurante era uma sensação ruim, eu comprava comida na padaria e comia na salinha do meu delicioso Bed & Breakfast. E assim fui me respeitando. Meio a tudo isso a vontade de movimento também estava presente. Então quando o dia refrescava saia para correr no parque ou na beira do rio.
E foi numa dessas corridas ao por do sol, pra lá das 8 da noite, que tive um prazer intenso, imagens da cirurgia pipocaram em minha mente, no momento em que eu senti uma grande quantidade de ar no meu nariz. Um choro e uma alegria me invadiram. E de repente em contato com a sensação de morte daquela anestesia também estava em contato com a melhor sensação - a de estar viva. Respirando!

E o ar movia por dentro das minhas narinas e eu sentia o seio da minha face. Enquanto minhas pernas corriam muito fortes e rápidas. Lembro da luz do sol e do calor no meu rosto. Sabe é isso. Eu sei viver. Tenho um prazer em estar viva, é o que basta.

O mais como diz Tolle, Vida é isso que permanece, isso que somos. O resto é situação de vida. Se isso está bom, aquilo está ruim. Não é a vida que está boa ou ruim. A vida não muda. O que muda são as situações momentâneas.


Essa leitura me acompanhou na recuperação da cirurgia. Esse exercício de ficar ligada no presente, O Poder do Agora, foi um exercício e tanto meio a tanto desconforto físico, emocional e espiritual daquele momento. Mas fiquei ali. E dizia pra mim mesma: “agora eu quero ver ficar ligada no presente com o nariz tapado de sangue, a cara inchada, dor na cabeça, tontura... sem ficar ansiosa para que tudo passe e que acabe logo. Só posso lhes dizer agora que isso foi algo muito bom de fazer.

Bom também foi conversar com Matheus depois dessas ondas. Fui ainda ressaqueada, para Verona assistir a ópera na arena romana. E durante o aperitivo dividi a vivencia das ondas dos últimos dias. E ele me falou algo muito parecido com isso, que ele tentava achar algo que não mudava, que sempre estava ali, algo que era ele. E que independente de a situação estar boa ou ruim ele se lembrava que tinha aquele ponto. (Matheus se não for dessa forma pode publicar suas palavras nos comentários. Vou adorar.)

Então mais uma seqüência de ondas passou sobre mim durante esses dias. E hoje depois de uma manhã de corrida no parque, sentindo novamente todo o ar dentro de mim, a força das minhas pernas, um banho gelado, sentei debaixo de um ombrelone, na mesa da calçada de um restaurante ao lado do meu hotel, e com o corpo quente e fresco ao mesmo tempo, senti um arrepio por todo o corpo quando o vento que vinha por traz tocou minha pele. É isso aí, a sensação da minha pele com o vento. O vento com a minha pele. Era a mais linda constatação de que eu estou viva. E como as ondas estavam baixas. Eu estava confortavelmente sentada sozinha em um restaurante pedindo o que eu queria comer e beber. E degustei cada pedacinho do que escolhi para comer e cada gota do que escolhi para beber. 

Quando o garçom chegou com a taça de Processo, que tinha pedido, olhei com uma cara de criança quando ganha aquela boneca tão desejada. Abri o sorriso. Ele aparece segurando na mão uma taça grande, morango decorando ao lado e dentro, um charme, um espetinho de frutas vermelhas, blue Berry, framboesa e morango. E assim voltei a estar na praia, sentindo o gosto de fruta por fruta meio aos goles da bebida de grandes comemorações. Ou das simples comemorações...

Como se não bastasse, meus olhinhos reviravam, quando as garfadas de ovos estralados com fatias de Trufas (em letra maiúscula de propósito), fartamente distribuídas no topo, chegavam a minha boca. Óleo de trufa já era um dos meus sabores preferidos. Mas comer as lascas foi realmente o auge do deleite.

Eu e Padrya no dia das mulheres: salão e espumante.
E assim sigo em Florença pela segunda vez, agora hospedada no centro, mas longe o bastante para não estar no burburinho dos turistas de um dia. Aproveito a corrida no parque, a ciesta pela tarde quente, pois minha casa agora está perto de tudo. E depois muito descansada saio novamente a rua depois das 7, quando o sol já acalmou, para arrastar a barra da saia pelas ruas, a caminho de um espetáculo de dança, As 4 estações. E no caminho, na praça, vejo o ensaio de outro espetáculo que terá amanhã de graça no meio da Praça das Senhorias. E volto para “casa” depois de um delicioso jantar comigo mesma inspirada para escrever. Liberdade é... escrever até quase 3 da manhã só porque deu vontade.

Ps: Acabo de pegar o email da minha mãe dizendo que meu pai e a Rachel já embarcaram. Dia 1 de julho farei a recepção deles nessa cidade que agora cabe na palma da minha mão.

Beijo no coração.
Em especial pra os anjos que sintonicamente apareceram nos dias de ondas altas.
Lívia, que depois de sua meditando mandou para o meu celular uma linda foto de um buganvile com uma mensagem oferecendo “toda essa energia pra você minha amiga”.

Moisés que mandou um email falando da oportunidade dessa viagem só para abrir espaço para intuição e outras lindas palavras de apoio.


E minha mãe que mandou uma imagem muito simbólica desse momento com uma linda mensagem. A imagem representa o inverno. Eu estou vivendo o solstício invertido aqui. Mas o momento que a semente se rompe para começam a aparecer as flores, aqui no clima temperado, é na primavera e no verão.
Dri mamãe disse que essa imagem é para complementar a anterior que você me mandou do renascimento. Veja.

E com essa força das estações e das pessoas que me acompanham vou rompendo também a semente e renascendo mais uma vez. Pois nessa vida há que se morrer e que se nascer diversas vezes, para ressurgirmos com mais vigor.
Assinado A Flor.

Flor de Alcachofra: Bed & Breakfast Montelupo


2 comments:

  1. E assim està sendo sua viagem,primeiro de turista e agora de guia,em altos e baixos a vida vai se movimentando dentro de voce e tambèm em mim,unhas laranjas??sim e porque nao? estamos sob o sol da Toscana meu bem!!!!!obrigada por tudo!!!

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  2. Não alcançamos a liberdade buscando a liberdade, mas sim a verdade. A liberdade não é um fim, mas uma consequência. Essa é uma frase de Tolstoi que achei oportuna para a sua jornada de busca por suas verdades. Espero que as encontre, mas só a procura já vale muiiiito a pena, não é mesmo?
    Abraços da terra Brasilis.
    Baquero e Fernandinha

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